Em Matar Deus foi fácil, livro gestado por anos, Deborah Brum mostra que é dona de uma escritura forte e potente. É com uma mistura de sarcasmo, melancolia e espanto que a autora investiga as relações com o corpo, a família, e os desejos de morte, vida e (re)nascimento.
Nessa imersão literária e inventiva, encontramos a mamãe ouriço de garras afiadas, o beijo de língua em um boneco de plástico, a existência como um jogo de truco. São imagens que aguçam a leitura atenta, o jogo entre vida e literatura, e que parecem confirmar: Diante da morte, o espetáculo.
Se isso é visível ao olhar primeiro, é no abismar-se sobre esse corpo-texto, em queda livre e cego de tanto ver(-se), que a estrutura híbrida se revela: o livro de contos parece o resultado de uma narrativa longa que se quebrou para juntar-se em um ossário. Na urna ossuária, ossos desmembrados de um corpo ritualizam a fundação da autoria: imagens estilhaçadas compõem o corpo sem órgãos, como diria Artaud que abre em epígrafe esse depósito de narrativas.
Deborah Brum, a autora, sabe que para ser-se é preciso muitas, por isso é movimento serpenteante entre os contos que se interpenetram trazendo questões complexas e importantes ao nosso tempo, como a dessacralização da figura abusiva da mãe, a presença fantasmagórica do pai e a violência que confere à vida, o movimento. Ao final da leitura, uma lápide imaginária: matar Deus pode até ser fácil, mostrar como é o que é difícil. Deborah Brum mostra.
Geruza Zelnys & Eduardo Guimarães