“Ele me deu um anel quadrado”. É assim que Agatha sustenta a linha intensiva que atravessa e ressoa na maior parte das histórias (de) partidas que compõem o livro Nas entrelinhas, de Ana Rosa Costa. E talvez que essa linha também faça ponto em algum ponto das nossas histórias, leitoras que se veem, nomeadas ou não, nos depoimentos do livro-arquivo.
Ana Rosa, escritora arquivista, manuseia a poesia da vida que escorre do cotidiano mais banal trazendo recortes, pedaços de peles, tecidos e membranas que possibilitam diagnosticar uma espécie de sintomatologia dos corpos dessas mulheres adoecidas de amor. Feridas abertas, outras cicatrizadas, feridas em devir-flor nos contam da luta pela sobrevivência nesse ambiente inóspito no qual sufocamos as relações romântico-amorosas.
A história contada por Ana Rosa Costa é uma só apesar de ser feita de muitas. Nisso, lembra o documentário brasileiro Edifício Master, dirigido pelo cineasta Eduardo Coutinho. Assim como nele, sentimo-nos sentadas diante de uma cadeira onde personagens transitam e se multiplicam em variações sobre o mesmo tema: um corpo-edifício que se mantém em pé apesar de. E esse “apesar de” é transformado em força e potência criativa.
Entre palavras e imagens, sons e aspas, assomam corpos em experimentações vertiginosas que, ao entrarem em estado relacional, explodem os limites quadrados do arquivo. Rachaduras, fendas, espaços em branco nas páginas; linhas que se desenham; a vida que não se armazena em arquivo morto. É como se ouvíssemos a autora dizer: a vida é também o incontido, o que ficou de fora do arquivo. Uma ficção im-possível a que somos convidadas a criar juntando nossa parte às partes: uma poderosa monstra que se mostra e se assume corpo, livro, vida, anas, rosas: Ana Rosa.
Geruza Zelnys