Em “Não existe guarda-chuva pra quando chove de cabeça pra baixo”, Flavia Teodoro Alves dança ensopando de letras e tinta fresca sua estreia na poesia. A artista multimeios deixa as ruas, mas as ruas não a deixam: versos soltos, lúcidos e irônicos compõem a arquitextura dialógica da urbe de papel. Mas não são as páginas do livro também muros brancos prontos para serem lambidos pela(s) língua(s) que faz(em) história?
Aqui, nas paredes que são dela, Flávia pode se esticar e demorar-se, sem medo de ser perseguida ou censurada. O tempo-espaço do livro permite trazer à luz o caldo referencial que lhe provoca: a literatura, a música, o cinema, (o teatro d)a política… Nada escapa à sensibilidade e intelectualidade de uma poeta que não cansa de honrar seus mortos & mortes: Meus sonhos me perturbam, dos meus amigos me alentam. / Eles me contaram que as portas fechadas da vida / repousam abertas nos jardins suspensos da memória. E que, também, não deixa de dançar: estou sapateando no meu luto / para retomar a pulsação.
Nessa deriva criativa, somos qual caminhantes surpreendidas com o verso ácido, certeiro, cortante, que se aproxima a um lambe colado ao corpo do poema / da poeta: A esperança é um menino levado. Ou, Porque viver tá de matar. Ou, ainda, poemas como “pesar” e “namorado”, pregados na esquina de uma página quase em silêncio, convocando a refletir sobre demandas do nosso tempo. Porque afinal é o tempo que está sob a mira dessa poesia: a criança estará / o tempo todo / n a s c e n d o.
Flavia Teodoro Alves maneja com maestria a tipografia ambígua do grito e oferta sua pá (sem ciência) nos convocando ao sapateado como símbolo da resistência armada de palavras e, por isso mesmo, lúdica: porque tudo que é mulher / é vacuidade é desobediência / e sangra.
Geruza Zelnys