Da janela feita pele se avista além de qualquer fronteira. É preciso encostar-se no parapeito metálico e pausar os minutos em silêncio para ler paisagens e adentrar incômodos. Suspender o tempo e ouvir também o que não dizem as palavras. É preciso alcançar as inscrições na parede úmida do poço e desse útero ver jorrar. Colar o ouvido ao canto dos pássaros mudos para aprender o voo. Respirar líquido com os peixes.
É com o corpo que se lê o que contam essas narrativas paralelas, mas nunca enfileiradas. Os dedos logo vão saber como
desfolhar as páginas. Porque o espaço aqui é feito dobradura que guarda delicadeza e liberta movimento. É, ao mesmo tempo, amplidão de campo amarelo-ouro e reclusão cinza-chumbo. Nem circular, nem circunscrito: é construção que deixa ver os andaimes e ensina a brincar com estilhaços.
É possível que durante a leitura sinta-se uma necessidade incontrolável de rapidamente levantar os olhos do livro para espiar, pela fresta da persiana, o sexo do vizinho. Pode ocorrer, ainda, um desejo ancestral de comer raízes e fazer fotossíntese no asfalto. Virão, sem dúvida, risos sacanas de canto de boca e risadas largas. Nada que assuste em demasia um leitor enamorado por vertigens literárias de longa duração.
Cristiane Tavares