O leitor que abrir Corpo de som se deparará com uma contradição. Trata-se de um livro profundamente musical, feito de “poemas para serem lidos em silêncio”. Do ponto de vista musical, a solução do problema é simples, já que silêncio também é música. Do ponto de vista literário, a música de Corpo de som não vem da regularidade, mas da variação de ritmos, andamentos e dinâmicas.
A primeira seção configura uma poética do encontro, o encontro amoroso – no qual o corpo sempre fala mais do que o verbo – é capturado em alta intensidade (há, certamente, momentos de fortíssimo) através de imagens pungentes, construídas com a habilidade de quem sabe usar as palavras para fazer o corpo falar, até onde isso é possível.
Já na segunda, justamente a intitulada “corpo de som”, o encontro volta a se concretizar, mas não se dá entre corpos. Trata-se da poeta confrontando-se com a matéria de sua expressão poética: a palavra, aqui tornada corpo.
A terceira seção traz o corpo e a palavra em desencontro com o mundo, em que a recorrência da morte e do cinza se referem a um violento processo de desumanização: morrer é tornar-se coisa. Nesse mundo que separa e coisifica, o movimento do sujeito poético – mulher! – se dá sempre em busca da totalidade. Há, ao mesmo tempo, uma aguda consciência dos limites dessa busca e é desses limites, impressos na forma de cada poema, que se nutre boa parte da lírica de Priscilla.
Na seção derradeira, a voz poética procura enraizar-se depois de tanta busca. Para isso, encontra-se com a música, com a natureza, com sua ancestralidade, com uma coletividade, ainda que metafórica e construída. Nesses encontros, por vezes breves ou interrompidos, os sentidos se desembotam e o corpo recupera algo de sua integridade. Todo corpo pode ser um corpo de som, basta que vibre. Na poesia de Priscilla, o que faz o corpo vibrar é o encontro.
Leilor Miranda